segunda-feira, 4 de maio de 2009

O preço do trabalho infantil na feira

Numa visita até uma feira é possível enxergar a variedade de expressões do trabalho infantil ainda bastante comum na Bahia
Por: Sóstenes Aroeira da Luz

Eu estava em casa, quando o telefone toca. É Ana Rita do Fórum de Erradicação do Trabalho Infantil (Fetipa). Ela disse: ”Sóstenes, conheci uma auditora-fiscal da Delegacia Regional do Trabalho (DRT), senhora Maria Del Carmen. Você topa fazer um monitoramento na feirinha da Estação Nova, em conjunto com a auditora-fiscal do trabalho da DRT?” Eu disse: “beleza Rita, pode contar comigo! Vamos fazer”. No dia seguinte, no domingo pela manhã (22/03/09), chegamos à feira. Haviam muitas crianças e adolescentes trabalhando nas barracas, nos carros de mão, catando lixo e vendendo objetos.

Encontramos Maria Del Carmen e fomos fazer a fiscalização na feira. Diagnosticamos 30 crianças e adolescentes trabalhando, perguntamos a cada uma o nome a escola em que estudam, série e nome de pai, mãe e endereço onde moram. Visitamos 30 barracas das cerca de 300 existentes na feira. Se tivéssemos pesquisado todas as barracas, possivelmente iríamos encontrar um número maior que 70 crianças e adolescentes, exercendo alguma atividade de trabalho.

A partir desse acompanhamento foi feito um relatório pela Auditora Del Carmen, especificando a realidade das crianças monitoradas no local, que foi entregue á Promotora da Vara da Infância e Adolescência Dra. Deusuíte. Apresento abaixo algumas dessas informações que foram observadas por nós e estão descritas no relatório.

Na feira visualizamos três tipos de atividades mais recorrentes: os guardadores de carros, que ficam na Av. João Durval, em frente do Galpão da Feira; os carregadores de compras, que levam as compras até a residência dos freqüentadores da feira, utilizando um carrinho de mão. Nesta atividade entrevistamos apenas uma parte das crianças, mas todos os meninos mais jovens encontrados tinham entre 10 e 11 anos. Durante as entrevistas alguns fatos curiosos: enquanto conversávamos com a criança ela carregava compras no carro de mão, sem interromper o seu trabalho. O adulto que pagava pelo serviço, não deixava o menino falar ou aguardava a entrevista junto.

E há também os que são vendedores, que atendem ao público nas bancas, mas muitos andam carregando frutas e hortaliças em bacias ou artesanato, oferecendo às pessoas que circulam pela feira. Ficou evidente o peso que carregavam os produtos, esforçando o corpo, representando futuras seqüelas musculares, o que pudemos observa durante a pesquisa em campo.

Além do trabalho pesado, nas três atividades as crianças estão expostas há vários riscos como atropelo, temperatura altas, poluição sonora, produtos químicos, radiação solar, precariedade dos instrumentos de trabalho, lesões musculares e distúrbios. Esses riscos foram relatados no relatório de fiscalização
Realizando a entrevista achávamos que íamos encontrar crianças só do Município de Feira de Santana. Porém, constatamos que existem crianças de outras cidades como São Gonçalo dos Campos, Conceição do Jacuípe e Coração de Maria. Alguns declararam trabalhar na roça e apresentavam características musculares de crianças mais velhas, acima da normalidade.

O relatório de fiscalização com os nomes das crianças e adolescentes não pode ser divulgado pelo fato de estar em processo de investigação sobre responsabilidade da DRT e Ministério Público. Espero que as crianças sejam retiradas da feira e sejam incluídas em programas sociais, possibilitando a Erradicação do Trabalho Infantil. O Conselho Tutelar deveria estar atuando nesta área, fiscalizando e usando meios de intervenção contra o trabalho infantil naquela localidade. Mas não encontramos nenhum conselheiro durante o monitoramento.

Conhecida como Estação Nova é uma das maiores feiras do Município de Feira de Santana. É nela que está a marca da cidade. A cidade nasceu através de feirinhas, que depois se tornaram vilas e posteriormente se transformaram no Município. Neste contexto, sabemos que, em anos anteriores, os direitos das crianças e adolescentes não eram garantidos, eles eram vistos como pequenos adultos e tinham a mesma responsabilidade de qualquer pessoa. Então, era normal ver meninos e meninas trabalhando nas feiras e em outros lugares precários.

Herança histórica - Pela história de povoamento desse local, é possível que essas crianças, em sua maioria negras, sejam oriundas de antigos escravos, que trabalharam nas antigas estações de trem, de onde surgiram as feiras-livres em seu entorno. Percebo que em pleno século 21 isso não mudou muito e a exclusão social continua. Por outro lado, não podemos esquecer as conquistas alcançadas com o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e dos projetos criados de assistência à essas crianças e adolescentes descendentes dos negros e escravos da época da colonização. Precisamos admitir que já houve um avanço , mas ainda estamos distantes de mudar essa realidade.

Às vezes eu fico me perguntando: por que tantas crianças na rua? O que eu posso fazer para mudar essa realidade? Será que realmente posso? Depois de tantas pesquisas e experiências percebi que a resposta estava na minha frente: tenho que ser um cidadão ativo e não passivo, por exemplo, quando vejo uma situação de exploração de menores, tenho que denunciar. Acredito que esse deve ser o papel de todo cidadão: exigir seus diretos e denunciar os problemas que afligem a sociedade.